sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Pra não dizer que não falei da dor


  Sou feita de carne e osso. Meus primeiros passos foram
na feira-de domingo, minha mãe me soltava perto da barraca de 
pastel enquanto meus irmãos pediam. Era ali que esquecíamos a fome 
na disputa do lixo com os bichos. Por que alguns comiam e até jogavam fora,
isso não fazia sentido, mas era a sobra desses o pão nosso de cada dia.

  Na feira de quarta minha primeira aventura de criança foi ver meu irmão de 
treze anos roubar uma laranja. O dono da banca cheio de ódio por dentro, 
segurou a mão do meu irmão e como sentença lhe amputou um dedo. 
  Então gritei:
 - ele ta com fome moço. O dono sem compaixão também me presenteou
com um corte de faca no rosto. 
   Não entendi porque apanhamos tanto aquele dia, se a fome é um instinto da 
vida e a terra é quem faz a comida crescer, maldito seja aquele que teve a 
ideia de vender.

  Meu pai cadeirante vendia balas num semáforo na Giovanni Gronchi, ficou 
paraplégico aos vinte três anos, quando caiu de um andaime, na construção de um 
shopping que nos faziam manter distancia. Eu não entendia como a vida funcionava
mas senti o meu coração apertado, quando chegou a noticia la em casa, que o meu pai, Deus
tinha levado. Foi um carro desses bonitos, passou a 120km/h no farol vermelho.
 Perguntei a Deus em minha oração, se é o senhor quem veio buscar, não poderia ter levado o corpo 
do meu herói inteiro? 

  Minha mãe, dona Iraildes. Cansada de toda aquela situação encontrou no álcool a 
oportunidade de matar lentamente, a saudade, angustia e a depressão. Suicídio
lento era o processo. Numa manhã chuvosa, Deus visitava novamente a minha família
dessa vez veio em forma de comida, com um punhado de chumbinho minha mãe se despedia
da vida. Eu não a culpo por ter nos deixado, e nem a chamo de covarde, quem pensa que 
desistir é para os fracos ainda não apanhou de verdade.

  Ficava para o Cizinho, meu irmão mais velho toda responsabilidade ele segurou bem
a barra, com apenas 16 anos de idade. Ele cuidava bem dos 5 reais que ganhava 
por 12 horas trabalhadas, arrumou um emprego numa borracharia, mas quando não 
tinha clientes, nada recebia. Todo seu suor e esforço era o que nos garantia 
o almoço. Me recordo daquele mês de agosto, e não sai da minha cabeça a imagem
do seu rosto. Quando acordei encontrei meu irmão soterrado, durante a noite, 
a chuva levou o barraco. Sua missão tinha sido cumprida, a de nos garantir
a vida. 

  Me separaram do meu outro irmão, ele foi morar numa Cohab com a vizinha
que também perdeu o barraco,  eu fui levada para uma mansão. 
  Ganhei roupas brancas, ganhei um quarto, os pés que andavam descalços
passaram a calçar sapatos. Me acordavam às 6:00 da manhã para dar inicio a faxina
banheiro sujo, lavar roupas, queimaduras no fogão foram meus brinquedos quando menina.
 Às 22:00 depois de lavar a louça do jantar, chegava a minha vez de descansar. Foi quando
numa dessas noites o patrão veio me visitar. Abriu a porta lentamente e soprou 
um "xiu" deitou-se em minha cama e meu corpo despiu. O choro abafado pelo
travesseiro, nem sangue que pelas minhas pernas escorria comovia o coração
do homem grande com a dor que a pequena menina sentia.

  Durante dois anos essa foi a minha rotina, até avisar para o patrão que
eu estava esperando uma filha. Tomei socos na cabeça e fui surrada com um 
cabo de aço, para combinar com a do rosto, ele me fez uma cicatriz no braço.
  Durante horas eu em estado de choque, ele pisava em minha cabeça apontando
um revolver. Desfalecida no chão jogou sobre o meu corpo 200 reais, pediu 
para que eu sumisse e que ali eu não morava mais.

  Sem família, estudo, educação eu continuava de pé, foi então que ouvi
falar de um albergue na praça da sé. Foi lá que eu conheci a Suely, também
foi lá que desejei a morte, quando perdi a minha filha por causa de uma
crise de overdose. Recebi uma proposta de emprego, e que mudaria minha vida
se eu não tivesse medo, mas para começar, a minha identidade seria um segredo.
 Rua: Augusta, numero 350 me chamavam de Fabi, o cache que recebia era alto
bancava uma cobertura no Itaim-bibi.

 Hoje a duvida onde ele estava fora acabada, a noticia no jornal anunciava, meu irmão
Ernesto Silva foi uma das vitimas da chacina no Jabaquara.
 deitada neste leito, mal consigo a cabeça mexer, há seis meses fui diagnosticada
com H.I.V. Minha febre que não passa, a expressão do meu rosto foi escondida por uma
mascara. Não tenho forças para movimentar as pernas, meus pulmões estão comprometidos, 
enquanto vou escrevendo está carta, ao mesmo tempo vou perdendo os sentidos.


 Sou feita de carne e osso, plantei lágrimas colhi tristeza, sem bonecas, beijos e namorados, vou me
 despedindo da vida. Maria Tereza.


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